Lembro-me o
dia que eu tive a milésima conversa com meus pais sobre trocar de curso, já
passamos por isso algumas vezes, da Engenharia Ambiental pra História, da
História pra Administração, fora os cursos nos outros estados, intercâmbios e
as minhas “coisas de maluco” como eles mesmo gostam tanto de dizer. Mas acho
que nenhum dia foi tão complicado quanto o que eu fui lhes comunicar minha nova
decisão: “Pai, mãe, estou indo fazer letras!”, bem ainda não fui mais irei, a
primeira reação deles foi a mesma de alguns amigos próximos e outros nem tão
próximos e nem tão amigos; “Poxa, vai ser professor?”.
É, e eu virei
professor, por uns dias, para substituir uma amiga de família que não tinha
encontrado nenhum babaca ninguém disponível para o dia de hoje, aceitei
sem pensar duas vezes, seria um ótimo teste para que eu pudesse decidir de uma
vez por todas.
Como tudo
que é novo a ansiedade me sufocava, entrei em uma sala barulhenta e suja de um
colégio público que por muita coincidência fora o mesmo que eu fiz Enem. Todos
os olhos postos em mim, miúdos olhos.
O discurso
estava pronto e ensaiado saiu mecanicamente; “Boa tarde eu sou o Professor
Vinícius e vou lecionar Inglês e Literatura para vocês!”... Professor Vinícius,
isso soava estranho, não ruim ou feio, mas diferente, deixei de ser o Kadin por
algumas para ser o Professor substituto de Inglês, ser chamado de senhor, ser
tratado com formalidade, uau!
Comecei a
escrever na louça, por Deus não era um quadro negro, minha letra de forma torta
a giz teria deixado qualquer um louco, com os canetões ela se comportava
melhor, a sala estava em um calor insuportável e o barulho era alto, MUITO
ALTO, escutava berros, risadas, sussurros as minhas costas, engraçado que
quando você esta lá na frente parece que todos estão falando de você e talvez
alguns até estivessem, mas não podia continuar assim agora eu era um Professor,
teria que me adaptar a isso até o fim do dia.
Quando eu
encarei o primeiro aluno que estava conversando ele fez como todos os alunos do
planeta fazem, se calou e olhou para o lado fingindo que não era com ele, isso
me lembrou muito o que eu fazia quando tinha a idade dele; “Faz silêncio ai
brother!”, ... brother... acho que saiu
informal de mais, mas o recado foi dado e a sala pairou em um silêncio mortal
pelos próximos dois minutos que seguiram.
“Professor,
posso fazer uma pergunta?”, fiquei feliz e assustado ao mesmo tempo era a
primeira pergunta que alguém ia me fazer na vida, estava ansioso e minha mente
já martelava a mil, pronto pra buscar em qualquer canto do cérebro algo sobre
um verbo no inglês esquecido lá na remota sétima serie.
“O senhor é
casado?”, a princípio pensei que era uma brincadeira, mas não, não era e pela
primeira vez na vida eu me dei conta de que eu realmente podia estar mais velho
do que eu imaginava, cara espera até eu contar isso pros meus amigos eles vão
rir bastante, não mais que eu agora; “Não sou não, por quê?” perguntei indignado
esperando uma piadinha sem graça daquelas eu choraria de rir mesmo no ensino
médio; “Ué o senhor ta com um anel no dedo, não é aliança?”. Caramba o anel! Nunca
subestime uma criança ela é capaz de te analisar por dentro e por fora apenas
com um olhar isso é o que as tornam tão legais e tão irritantes. “Não, é só...
é só um fiozinho que eu uso no dedo.” , não era só um fiozinho.
“Posso te
fazer outra pergunta?”, uma menina dos cabelos pintados de umas 50 cores falou
lá do fundo.
“Claro, é
sobre a matéria né?”, não queria que alguém me perguntasse o porquê eu uso um
fio plástico no dedo, minha mãe me recomendara para parecer sério e
politicamente correto a frente deles, o último pra mim parecia ser o maior
desafio.
“O que significa sua tatuagem?”, já ouvi isso
mil vezes, mas dessa vez era diferente, como explicar isso pra uma criança? “É
uma música em Francês, nada demais. Agora voltando a matéria...”
Prossegui rabiscando
minha letra feia enquanto alguns copiavam, outros berravam, outros dormiam o
barulho já dominava a sala outra vez e antes que eu pudesse pensar falei; “Faz
silêncio ai pow!”, ótimo mais dois minutos de silêncio enquanto eu pensava se
era tão barulhento assim na minha época escolar, talvez eu fosse.
“Professor
Vinícius?”, já estava soando melhor agora; “Posso ir ao banheiro?”.
“Claro cara,
vai lá.”
Quando enchi
o quadro com as coisas chatas que a coordenadora me instruiu pode refletir que
é a primeira vez que eu entro em uma sala pública em período de aula, deu pra
observar meninas que com certeza já deveriam estar terminando o segundo ano do
ensino médio, porém em uma sala de sétimo ano, um garoto de cadeiras de rodas,
outro me encarando com cara de mal e suas sobrancelhas raspadas, lá no fundo
uma senhora a qual eu analisei por um tempo até descobrir que ela era a tutora
de um aluno com deficiência visual. A responsabilidade de explicar algo agora
era dobrada, não que eu fosse a pessoa mais altruísta do mundo (e realmente eu
nunca fui), mas tinha que me empenhar de uma forma diferente para que todos
inclusive ele pudesse entender o que eu queria dizer.
“Fessor?
Banheiro?” “Professor aquilo é um M ou J?” “Vinícius, sua tatuagem doeu?”,
apenas algumas pessoas pareciam de fato se importar com a aula e elas me surpreenderam,
terminaram tudo que foi proposto e ainda ajudaram os demais, me dei ao luxo de
pensar “Ta ai, alguém aprendeu algo hoje!”
Meus pés doíam
meu braço também, acho que nunca precisei falar tão alto em toda minha vida,
mas cumpri o seis horários com eficiência dei um até logo e ainda tive tempo de
ouvir mais uns: “Professor você volta na próxima aula?”, “Professor o que significa
sua tatuagem mesmo?”, “Feeeesssor posso ir ao banheiro?”.