quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Sem pó, sem giz.




 Lembro-me o dia que eu tive a milésima conversa com meus pais sobre trocar de curso, já passamos por isso algumas vezes, da Engenharia Ambiental pra História, da História pra Administração, fora os cursos nos outros estados, intercâmbios e as minhas “coisas de maluco” como eles mesmo gostam tanto de dizer. Mas acho que nenhum dia foi tão complicado quanto o que eu fui lhes comunicar minha nova decisão: “Pai, mãe, estou indo fazer letras!”, bem ainda não fui mais irei, a primeira reação deles foi a mesma de alguns amigos próximos e outros nem tão próximos e nem tão amigos; “Poxa, vai ser professor?”.
É, e eu virei professor, por uns dias, para substituir uma amiga de família que não tinha encontrado nenhum babaca ninguém disponível para o dia de hoje, aceitei sem pensar duas vezes, seria um ótimo teste para que eu pudesse decidir de uma vez por todas.
Como tudo que é novo a ansiedade me sufocava, entrei em uma sala barulhenta e suja de um colégio público que por muita coincidência fora o mesmo que eu fiz Enem. Todos os olhos postos em mim, miúdos olhos.
O discurso estava pronto e ensaiado saiu mecanicamente; “Boa tarde eu sou o Professor Vinícius e vou lecionar Inglês e Literatura para vocês!”... Professor Vinícius, isso soava estranho, não ruim ou feio, mas diferente, deixei de ser o Kadin por algumas para ser o Professor substituto de Inglês, ser chamado de senhor, ser tratado com formalidade, uau!
Comecei a escrever na louça, por Deus não era um quadro negro, minha letra de forma torta a giz teria deixado qualquer um louco, com os canetões ela se comportava melhor, a sala estava em um calor insuportável e o barulho era alto, MUITO ALTO, escutava berros, risadas, sussurros as minhas costas, engraçado que quando você esta lá na frente parece que todos estão falando de você e talvez alguns até estivessem, mas não podia continuar assim agora eu era um Professor, teria que me adaptar a isso até o fim do dia.
Quando eu encarei o primeiro aluno que estava conversando ele fez como todos os alunos do planeta fazem, se calou e olhou para o lado fingindo que não era com ele, isso me lembrou muito o que eu fazia quando tinha a idade dele; “Faz silêncio ai brother!”, ... brother...  acho que saiu informal de mais, mas o recado foi dado e a sala pairou em um silêncio mortal pelos próximos dois minutos que seguiram.
“Professor, posso fazer uma pergunta?”, fiquei feliz e assustado ao mesmo tempo era a primeira pergunta que alguém ia me fazer na vida, estava ansioso e minha mente já martelava a mil, pronto pra buscar em qualquer canto do cérebro algo sobre um verbo no inglês esquecido lá na remota sétima serie.
“O senhor é casado?”, a princípio pensei que era uma brincadeira, mas não, não era e pela primeira vez na vida eu me dei conta de que eu realmente podia estar mais velho do que eu imaginava, cara espera até eu contar isso pros meus amigos eles vão rir bastante, não mais que eu agora; “Não sou não, por quê?” perguntei indignado esperando uma piadinha sem graça daquelas eu choraria de rir mesmo no ensino médio; “Ué o senhor ta com um anel no dedo, não é aliança?”. Caramba o anel! Nunca subestime uma criança ela é capaz de te analisar por dentro e por fora apenas com um olhar isso é o que as tornam tão legais e tão irritantes. “Não, é só... é só um fiozinho que eu uso no dedo.” , não era só um fiozinho.
“Posso te fazer outra pergunta?”, uma menina dos cabelos pintados de umas 50 cores falou lá do fundo.
“Claro, é sobre a matéria né?”, não queria que alguém me perguntasse o porquê eu uso um fio plástico no dedo, minha mãe me recomendara para parecer sério e politicamente correto a frente deles, o último pra mim parecia ser o maior desafio.
 “O que significa sua tatuagem?”, já ouvi isso mil vezes, mas dessa vez era diferente, como explicar isso pra uma criança? “É uma música em Francês, nada demais. Agora voltando a matéria...”
Prossegui rabiscando minha letra feia enquanto alguns copiavam, outros berravam, outros dormiam o barulho já dominava a sala outra vez e antes que eu pudesse pensar falei; “Faz silêncio ai pow!”, ótimo mais dois minutos de silêncio enquanto eu pensava se era tão barulhento assim na minha época escolar, talvez eu fosse.
“Professor Vinícius?”, já estava soando melhor agora; “Posso ir ao banheiro?”.
“Claro cara, vai lá.”
Quando enchi o quadro com as coisas chatas que a coordenadora me instruiu pode refletir que é a primeira vez que eu entro em uma sala pública em período de aula, deu pra observar meninas que com certeza já deveriam estar terminando o segundo ano do ensino médio, porém em uma sala de sétimo ano, um garoto de cadeiras de rodas, outro me encarando com cara de mal e suas sobrancelhas raspadas, lá no fundo uma senhora a qual eu analisei por um tempo até descobrir que ela era a tutora de um aluno com deficiência visual. A responsabilidade de explicar algo agora era dobrada, não que eu fosse a pessoa mais altruísta do mundo (e realmente eu nunca fui), mas tinha que me empenhar de uma forma diferente para que todos inclusive ele pudesse entender o que eu queria dizer.
“Fessor? Banheiro?” “Professor aquilo é um M ou J?” “Vinícius, sua tatuagem doeu?”, apenas algumas pessoas pareciam de fato se importar com a aula e elas me surpreenderam, terminaram tudo que foi proposto e ainda ajudaram os demais, me dei ao luxo de pensar “Ta ai, alguém aprendeu algo hoje!”
Meus pés doíam meu braço também, acho que nunca precisei falar tão alto em toda minha vida, mas cumpri o seis horários com eficiência dei um até logo e ainda tive tempo de ouvir mais uns: “Professor você volta na próxima aula?”, “Professor o que significa sua tatuagem mesmo?”, “Feeeesssor posso ir ao banheiro?”.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Milonga

É madrugada
uma lâmpada solitária
destoa da escuridão do condomínio

O silêncio grita alto
o sono não o visita a algum tempo
o cansaço percorre cada centímetro do seu corpo
mais um dia esta por vir

A luz da aurora trás mais
uma infinidade de possibilidades
isto não o motiva
não o comove
não o cativa

Deixou-se levar pela inércia
e agora não tem forças pra voltar
talvez não queira
a poltrona esta confortável

Só mais alguns minutos
e tudo começa outra vez
mas um dia
que a Chanson D'amour
não vai tocar
A única canção que se ouve
é um Die Lüge
e isto não é bom
mas talvez fosse sincero

Se levanta e vai embora
Não passa de Milonga.

Vinícius Victor A. Barros