sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Cartas para Sófia

Oi gordinha, como você tá?
Espero que tenha lido algumas das minhas cartas. Hoje quero lhe falar sobre um sentimento que a muito me aflige, um sentimento chamado saudade.

Você não deve lembrar, mas quando você era menor e eu ficava alguns meses sem aparecer em casa, por conta de alguma briga com nosso pai ou pela rotina corrida, ao abrir a porta do apartamento a primeira coisa que eu recebia era um abraço seu. Um abraço desajeitado, nos joelhos, precedido por um "eeeeee". Era a melhor coisa do universo, quase compensava o tempo que eu passava fora de casa. Minha memória é horrível, mas vou lembrar pra sempre deste momento, do cheiro do seu cabelo, do sol de fim de tarde refletindo na janela.
Esse sentimento que faz a gente congelar cenas, cheiros, pessoas e sentimentos em nossa alma é chamado de saudade. Algo que você já deve ter aprendido e algo que você sente desde quando nasceu, e algo que vai sentir por muito e muito tempo ainda. Toda saudade é boa, mesmo aquela que faz a gente chorar, que faz a gente passar noites e noites sem dormir com o estomago enjoado, ela também é boa. Pode não ser boa no início, mas depois de um tempo você vai entender.
Sabe, morávamos em uma casa bem bonita antigamente, tinha uma piscina, um monte de pé de manga e uma casinha com areia pra gente brincar. Lá eu vivi os melhores momentos da minha infância, nos mudamos de lá antes de você ter tempo suficiente para guardar alguma lembrança. Enfim, sinto saudade do vento batendo nas folhas das arvores quando ia chover, sinto saudade do tintilar das chaves presas a cintura de nosso pai, sinto saudade dos cachorros que por lá já passaram, sinto saudades de tudo.
Talvez por isso eu lhe escrevo estas cartas, por saudade. Lembra do nosso irmão? Quando aquele péssimo dia aconteceu, eu jurei que não ia esquecer nem um minuto de tudo que nos vivemos juntos. Não é questão de boa memória ou não mas o mundo em suas voltas, vai dilapidando a vida como o vento vai esculpindo uma pedra, de pouco em pouco, de grão em grão, o tempo leva as risadas, leva as piadas, leva as palavras, fica apenas um retratado na estante da sala, uma imagem desconexa de um momento bom, e ela, a saudade. Não há cachaça que alivie, cigarro que asfixie, beijo que cure, a saudade é um espinho que contém uma hemorragia.
Nunca fui o mais popular das pessoas, nem o mais bonito, nem de longe o mais talentoso, nem o mais justo ou mais divertido, talvez o mais sincero, mas nem tanto, mas se um dia por algum motivo sentir saudade de mim, sentir aquela dorzinha boa da saudade, espero que leia tudo isto que eu te escrevo. Que saiba que você foi motivos de muitas das minhas risadas, muito das minhas preocupações, muito das minhas saudades.

Cão de estrada