quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O ex-poeta da sala silênciosa.





Hoje sou aspirante a poeta e esse não é meu desconsolo maior.

Andava cansado, sonolento, tropeçando nos próprios cardaços sujos, melâncolico e com dores de cabeça. Não era a primeira vez que eu me sentia assim, tão logo sabia que também não era a última, emoções minhas que eram como ondas em um mar de emoções, aqueles sentimentos indo e voltando ao sabor do vento.
Coloquei-me a escrever, riscava enormes páginas de cima a baixo, numa cacofônia silenciosa do desespero, eis que então a mágica acontecia. Tomava vida os poemas, esvoaçavam as folhas, criaturas surgiam, tudo criava forma e sentido.
Pensei em ganhar dinheiro com minha mágica, fama, mulheres quem sabe? mostrei receioso algumas de minhas aberraçõeszinhas aos poucos amigos que ainda possuía mas para meu espanto eles não se admiravam e pareciam indiferentes quando um poema que segurava me mordia os dedos fazendo brotar densas gotas de sangue a esmo. Tratavam aquilo com uma tranquilidade e normalidade que me irritava deveras.
- Pro inferno todos vocês! - bradava, indignado.
Perdi meus últimos amigos, experimentei a solidão que contemplava todo os grandes poetas, entendi a maldição dos versos e meu choro de tinta escura borrava a ponta da caneta que continuava a metralhar mais e mais criações. Criações estas que agora enchiam a minha sala silênciosa, algumas gritando palavrões terríveis que acordavam os vizinhos durante as madrugadas lhes causando horror e repulsa, enquantos outros choravam sob os cobertores mofados balbucenado lamentações desconsoladas.
Não tinha descanso, minha cama fora tomada pelos monstrinhos, que zangados não me deixavam dormir, dando-me cascudos e beliscões a noite inteira.
O fato de todos tratarem tal fenônemo satânico com tranquilidade e normalidade me aborrecia cada vez mais. Algumas pessoas chegavam ao extremo de se constenar com os bichinhos dando lhes de comer e lhes afagando a barriga.
- Como podem apegar-se a estas monstruosidades? Não vês que são enviados do inferno para me torturar? - chorava.
- Olha como este é bonitinho, cobras quanto pela criaturinha?
Malditos, não entendiam e nunca iriam entender. Me sentia traído por todos e principalmente pelas minhas criações que atormentavam-me noite e dia, que galopavam minhas costas fazendo-me cada vez mais triste, magro e cansado. Decidi por bem por fim a tudo isso.
Foi em uma madrugada chuvosa, peguei o maior pote de tinta que possuía, escolhei bem a pena e me debrucei sobre o que viria a ser minha última obra prima, meu grande retalho de palavras que daria forma ao meu Frankstein, a minha mistériosa Gioconda a última pá de cal de minha sepultura.
Rabisquei, escrevi, sangrei até tê-lo terminado, era perfeito, o mais feio, tenebroso e íntimo poema de todos, exalando depressão e melâncolia, era o meu monstro. Pouco a pouco foi tomando forma, uma forma imensa, terrívelmente assustadora, figura cospida do mais profundo âmago amargo do ser humando, um diabo.
- Mata-me infeliz, ponha fim ao seu criador! - desafiei.
Aproximou de mim com sua bocarra horrenda, me embrulhando o estômago com o seu hálito de lágrimas. Olhou-me friamente na alma, quando já esperava pelo agrado da morte, encostou seu peito gigante ao meu abraçando-me e então chorou.

Vinícius Victor A. Barros

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